Precisamos olhar com mais humanidade para o que é estar na pele de um líder [ 2 / 4 ]
- Mariangela Gomes
- 6 de jun. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de jul. de 2024

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No artigo anterior, 'É preciso dar um salto evolutivo no jeito de liderar', fizemos um convite para questionarmos e repensarmos o papel da liderança e da cultura, para que possamos coconstruir novas narrativas e novas formas de liderar. Agora, nesse segundo texto, queremos trazer novas inquietações para que possamos reconhecer toda a complexidade e humanidade, do que é estar na pele da liderança.
A evolução da liderança está intrinsecamente ligada à nossa evolução como humanidade. Ao longo da história, o papel e as teorias foram se adaptando e evoluindo, moldando a nossa compreensão sobre o que é ser líder.
Se perguntarmos para você o que é liderança e como você descreveria o que é ser líder aí no seu negócio, o que responderia?
Podemos fazer essa pergunta para dez pessoas, e com certeza teremos dez respostas diferentes. James McGregor Burns, historiador e autor de diversos livros, descreve a liderança como um dos fenômenos mais observados e menos compreendidos do mundo. Não é por acaso que, ao longo da história, temos tantas teorias, definições, modelos, estilos - liderança heroica, autocrática, situacional, participativa, transacional, transformacional, carismática, inspiradora, autêntica, servidora, cuidadora, inclusiva, digital, ágil, distribuída, o líder do futuro, etc.
No começo, a liderança era vista como uma habilidade, inata e exclusiva a poucas pessoas. Depois, passou a ser entendida como um conjunto de traços ou estilos específicos, atributos de personalidade ou comportamentos que poderiam ser desenvolvidos. Evoluímos então para um entendimento de que a liderança também precisava ser carismática, visionária, inspiradora ou transformacional. Mais recentemente, surgiu a compreensão de que a liderança precisa ser orientada para o futuro e para um mundo cada vez mais ágil e digital. E esses são apenas alguns exemplos.
E se eu perguntar para você 'Qual destes modelos está presente hoje na sua organização?', me arrisco a dizer que você responderia 'um pouco de todos, além do nosso próprio jeito de liderar'. Isso porque esses modelos coexistem (alguns se adequando mais, e outros menos, a determinados contextos), deixando a compreensão do papel de liderança ainda mais complexa e um entendimento de que o ato de liderar precisa ser compreendido como um fenômeno, que vai se definindo e se ajustando, com o tempo e com o contexto.
Acontece que, apesar desses modelos multifacetados e da evolução do entendimento sobre liderança, continuamos atuando num modelo que reflete a era industrial, onde as pessoas e as organizações precisam funcionar como um relógio, como máquinas, onde tudo e todos precisam entregar eficiência e excelência de execução, o que nos levou a uma abordagem mecanicista de gestão.
Durante décadas as organizações foram projetadas e gerenciadas para um ambiente industrial, orientada para preservar a estabilidade, a escala e a previsibilidade. Nessa abordagem mecanicista a gestão é pautada na previsão, precisão e controle - tudo pode ser planejado, executado, gerenciado e controlado, de forma linear e fragmentada, pois há uma relação clara entre causa e efeito. Nessa perspectiva, a prosperidade é sinônimo de maximizar os lucros para os acionistas e o futuro é um caminho pré-planejado a partir do presente ou de soluções já aplicadas no passado.
Não há dúvidas de que esse modelo de gestão nos fez evoluir até aqui e fez muitas organizações prosperarem. Sabemos que, garantir eficiência, excelência e um bom desempenho, continuam e continuarão sendo relevantes, mas não são mais suficientes.
Também não estamos dizendo que esse modelo é inadequado, mas estamos vendo cada vez mais indícios de que ele vem gerando impactos indesejáveis e que não está dando conta de lidar com desafios cada vez mais multifacetados, incertos e ambíguos. A sobrecarga, a exaustão, as relações e ambientes tóxicos, o aumento das doenças relacionadas à saúde mental e emocional são apenas alguns dos sintomas de que as coisas não estão indo bem, como vimos no começo desse texto. Isso se traduz em níveis menores de engajamento, de confiança e de produtividade, afetando diretamente a saúde, o bem-estar, o desempenho e, principalmente, a nossa relação com o próprio trabalho.
Acontece que, na maior parte das vezes, ainda enxergamos a liderança como um papel ou um conjunto de competências e, por isso, colocamos sempre o foco nos desafios e no que é esperado para estar nessa cadeira. Isso muitas vezes nos distancia de reconhecer toda a complexidade e humanidade, do que é estar na pele da liderança.
Traduzimos toda a expectativa que há sobre esse papel em uma extensa lista de competências - visão estratégica, inovação, execução, gestão de pessoas, empatia, inteligência emocional, tomada de decisão, negociação, etc., etc., etc. Provavelmente você mentalmente fez isso quando perguntamos acima o como você descreve o que é ser líder aí na sua organização.
O problema é que essa visão, ainda heroica e super-humana da liderança, cria expectativas muitas vezes inatingíveis, até mesmo para os mais talentosos e capazes.
Quer um exemplo?
Cobramos que nossas lideranças gerem maiores e melhores resultados, que alavanquem o crescimento e o futuro do negócio, quando elas mesmas e todos do seu time (ou grande parte dele) estão exaustos e sobrecarregados, dando conta de apagar os incêndios do dia a dia.
Esperamos que nossas lideranças sejam carismáticas, inspiradoras, visionárias enquanto estão lutando para lidar com uma alta sobrecarga cognitiva, relacional, emocional, além da pressão permanente por resultados.
Queremos que as lideranças engajem seus times, quando elas mesmas não estão engajadas, ao mesmo tempo em que pessoas estão repensando o papel que o trabalho ocupa em suas vidas.
Esperamos que nossas lideranças sejam mais humanas e empáticas quando não estamos olhando para elas pela mesma perspectiva e enquanto elas não estão conseguindo cuidar delas mesmas.
Acreditamos ainda que a liderança pode ser rapidamente desenvolvida por qualquer pessoa, aplicando um único jeito de ensinar, um conjunto padronizado de competências e desconsiderando que cada liderança está lutando suas próprias batalhas no dia a dia. Achamos que treinamento basta para capacitar as lideranças para os desafios desse papel.
E, se não bastasse tudo isso, a liderança hoje é uma instituição em crise, onde a confiança nesse papel vem caindo e onde as novas gerações sequer anseiam ocupar esse lugar.
Tudo isso, junto e misturado, pode estar nos levando para uma armadilha: ter uma visão míope dos verdadeiros desafios do que é estar na pele da liderança. Significa que é imperativo ampliarmos a nossa consciência, compreendendo a liderança como um fenômeno essencialmente humano, dinâmico, ecossistêmico, coletivo, compartilhado e interdependente ao contexto em que atua.
Significa que precisamos identificar, questionar e ressignificar os modelos, os sistemas de crenças e as práticas de liderança que estamos normalizando e perpetuando, mas não deveríamos. E isso só é possível se olharmos intencionalmente para os elefantes que estão na sala.
Para nós está claro que há uma necessidade urgente de reconfigurar a forma como operamos como indivíduos, times, organizações e sociedade e isso requer a criação de novas narrativas e novas metáforas para uma liderança (r)evolucionária. Não dá mais para olharmos a liderança de forma fragmentada e limitada a uma lista de competências de gestão a serem desenvolvidas. E é sobre isso que falaremos no nosso próximo texto.
coescrito por Mariangela Gomes e Blenda Campos
Conta aqui pra gente: Na sua organização, você está olhando para o que é estar no papel ou na pele da liderança?

![É preciso dar um salto evolutivo no jeito de liderar [1/4]](https://static.wixstatic.com/media/nsplsh_4533435a5f41747a697859~mv2_d_3436_4295_s_4_2.jpg/v1/fill/w_980,h_1225,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/nsplsh_4533435a5f41747a697859~mv2_d_3436_4295_s_4_2.jpg)
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